Um colo para Deus – Festa de Nossa Senhora da Piedade, padroeira de Minas Gerais
Ó minha alma retorna a tua paz,como criança bem tranquila no regaço acolhedor de sua mãe…
Nos distantes idos da história, conta a tradição, que uma jovem surda e muda estava nos arredores da imponente serra do sabarabuçu. Seus olhos provavelmente contemplavam o enorme maciço, que formado por minerais, brilha quando iluminado pelo sol e confunde-se com o céu, onde parece adentrar. Talvez pensasse na lenda que levaram muitos para aquela região, de que aquela montanha seria toda de prata, e que por isso alguns dos povos nativos até a considerariam sagrada. Mas na verdade, não sabemos. Sabemos que a jovem contemplava a serra, quando uma nova visão tomou conta de seus olhos. Um sinal no céu. Uma mulher, que tal como a do Apocalipse era mãe, mas não trazia seu Filho no ventre, o trazia no colo. No corpo do homem, abraçado ao corpo da Mãe, as marcas da dor e da violência, as marcas da cruz. Uma visão que despertava verdadeira piedade… Não se sabe se a Senhora falou algo com a menina. Nem se sabe com exatidão como e onde foi a visão, o que se sabe é que os lábios da jovem se descerraram e seus ouvidos puseram-se a ouvir, e logo, todo o povo da região pôs-se a louvar a Deus que havia curado a garota pela intercessão da Virgem Maria, a Senhora da Piedade. Aventureiros logo puseram-se a subir o monte, abrindo caminho para os peregrinos, que inspirados pela beleza e silêncio do lugar transformaram os 1.746 metros acima do mar em lugar de oração. Logo, um deles, arrependido da vida pregressa, mandou erguer uma ermida, e ali incrustrou uma pérola, tanto da arte, como da fé: uma imagem, atribuída ao grande Antônio Francisco Lisboa, vulgo Aleijadinho, retratando a visão da menina, a Virgem, que após a Paixão nina no seus braços o Filho maltratado, recém tirado do madeiro da cruz. Surgia um santuário que, no meio do santuário da criação que o próprio Deus havia feito, convidava o povo a oração e ao encontro com o Senhor no colo de sua Mãe.
É bonito pensar em como Deus mais uma vez agiu na história do seu povo, e dessa vez se manifestando no colo de sua Mãe. Como no alto da montanha, tal qual o novo Sinai, ele atrai sua gente para mostrar-lhe sua glória e lhe falar como um amigo, assim como falava com Moisés. No alto da montanha resplandece a nova sarça, ardendo no Senhor, com o coração inflamado pelo amor e pela dor, mas sem se deixar consumir. Em seus braços, resplandecente como as chamas, o próprio Deus, o autor da vida, que no silêncio de sua entrega, nos fala de amor, nos enlaça para si, nos convida para compartilharmos com Ele do colo que é de sua Mãe.
É bonito pensar que o povo mineiro, que tantas vezes cobre de areia e cores as pedras do chão, e esquece de suas paixões para cantar a do Senhor, receba a visita e ganhe por Mãe aquela que é a Senhora da Paixão, a Mãe das dores, firme e fiel, de pé junto a cruz de seu Filho. É um sinal para essa gente que já começou sua história lutando para sobreviver, de que nas agruras da vida não estamos sós. De pé, junto as nossas cruzes, consolando e sofrendo conosco está aquela que é o modelo da Igreja, a Mãe do Sim, que até mesmo quando a lógica perde o sentido, se mantém fiel na sua resposta: Faça-se em mim segundo a tua Palavra.
Aliás, há muito a se aprender dessa Mãe. Corajosa e fiel, mesmo diante da dor de ter que revolver seu ventre e entregar o fruto dele às entranhas da terra, a Mãe do Senhor no ensina, que no correr da vida, onde tudo embrulha, se estica e se aperta, o que se exige de nós é coragem. Coragem de se lançar com o que temos nas mãos do Senhor. Coragem de se manter de pé até quando os sonhos de Deus atravessam, literalmente, os nossos sonhos e às vezes os reduzem a pó. Coragem de deixar que as mãos dAquele que colocou base nas serras conduzam nossas histórias, mesmo que seja pelos vales da morte. Maria nos ensina em sua imagem de piedade: a vida quer da gente é coragem!
Mas eu não me iludo coração. Eu sei que coragem não é coisa que surge do nada. Às vezes, por mais que a vida nos exija, o que queremos é correr para nos esconder debaixo da saia da mãe, como diria o ditado. E por isso, Deus também nos deu um colo! Deus nos deu um regaço acolhedor para como crianças encontrarmos consolo. E Ele mesmo quis se aninhar nesse colo. Ele mesmo quis fazer dali o lugar do seu descanso. O colo de Maria se tornou colo para toda humanidade, afinal, um colo em que o incontível quis se colocar, é lugar que cabe cada um de nós. O colo de Maria é como o monte de Sião, para o qual podemos subir para encontrarmos o Senhor! O colo de Maria é onde Jesus se deixa encontrar no ápice de seu amor, para assim como os magos o adorarmos e contemplarmos a altura, a largueza e as profundezas da salvação de Deus. No colo de Maria podemos descansar, podemos nos refazer, somos roubados de nós mesmos para sermos inteiramente de Deus.
Maria, discípula fiel, ensina-nos ainda a nos colocarmos atrás do Filho, abraçarmos nossa cruz e irmos com Ele até o fim. É assim que se encontra vida. E do que adianta a alguém ganhar o mundo inteiro se perdermos a nossa vida? Por isso, se aos olhos do mundo as lágrimas de Maria a fazem parecer derrotada, aos olhos de Deus, suas lágrimas, que banham o corpo ferido de Jesus, são sinal de vitória, são torrentes de amor que regam a semente da ressurreição. A semente do dia em que os humilhados serão exaltados e os poderosos, derrubados de seus tronos…
Tudo isso numa cena. Uma cena sem palavras. Como sem palavras foi a aparição que deu origem a essa devoção nas terras das Minas Gerais.
Palavras às vezes não são necessárias. Aliás, dirá o poeta, que amizade de verdade é aquela que já não precisa de palavras, é aquela onde basta o estar.
Maria não precisa falar.
Ela está.
Ela está de pé.
Ela é colo, ela é regaço, ela quer nos acolher.
Por isso, coragem!
Quando nossos fardos estiverem pesados, nossos ombros cansados, nossa cruz pesada demais, elevemos nossos olhos para o monte, de lá virá o nosso socorro!
Maria não precisa falar.
Ela está.
Ela está de pé.
Ela é colo, ela é regaço, ela quer nos acolher.
Por isso, coragem!
Quando nossos fardos estiverem pesados, nossos ombros cansados, nossa cruz pesada demais, elevemos nossos olhos para o monte, de lá virá o nosso socorro!
Subamos!
Levemos nossas prendas, flores e rezas!
Subamos ao monte onde o Senhor quis fazer o lugar de seu repouso!
Se ali coube o próprio Deus,
Cabe Minas Gerais,
Cabe a Arquidiocese,
Cabe o mundo inteiro,
cabe cada um de nós…
Feliz Padroeira, de um povo a lutar,
a gente mineira te quer exaltar!
Não só lá na serra
Tu és esplendor
de toda esta terra
também fulgor!