Renovar nossa esperança
Meus caros irmãos e irmãs da Sociedade de São Vicente de Paulo:
Comecemos por refletir sobre a esperança humana. O pensador Ernst Bloch escreveu um livro valioso: O Princípio da Esperança. Ele articula sua filosofia em torno da esperança. Ele o faz porque está convencido de que os seres humanos vivem em tensão para o futuro. Nós sempre acreditamos que o futuro será melhor. A novidade do futuro nos guia para a realização do possível. Para Bloch, o princípio da esperança não é apenas uma questão psicológica, mas define o homem. É a crença de que o que ainda não chegou, o que está inacabado, o que está errado, pode ser melhorado. Esta esperança tem uma capacidade de transformação. Ela amplia nosso horizonte, em vez de restringi-lo. Entretanto, para que este horizonte mude efetivamente, é preciso ser um ator, não um mero espectador. Não esperar que a mudança chegue até mim em uma caixa da Amazônia. A pessoa que espera não está resignada com a vida de um cão, para aceitar a corrupção, permanecer resignada ou lamentando. Pelo contrário, a partir do que é possível, procuramos o melhor. Esta atitude levou Bloch a ser, por exemplo, um pacifista convicto. Como você pode ver, este livro pode ensinar aos homens e mulheres da SSVP muitas lições.
Também é verdade que a história muitas vezes nos dá um “tapa na cara” quando vemos como os melhores projetos fracassam, como eles decepcionam, como os melhores projetos são distorcidos. Mais de uma vez, a própria humanidade “sabota” seus próprios grandes planos. Quando isto se torna muito intenso, o sentimento de absurdo se instala. Atenção, este sentimento não nasceu ontem. Encontramo-lo expresso de muitas formas diferentes em alguns textos muito antigos: sumérios, acádios, egípcios, gregos, maias, etc. Recordemos, por exemplo, o Poema de Gilgamesh. Também o encontramos na literatura da época de São Vicente, por exemplo, no Hamlet de William Shakespeare.
No século XX, o sentimento de absurdo foi ampliado, especialmente com algumas correntes existencialistas. Eles insistem na condição de desamparo do homem. Isto é assim, porque o homem é sustentado, em última análise, pelo nada. Compreender a falta de sentido da existência leva à manifestação do que se experimenta: a náusea, o nada, o ser uma paixãoinútil, a vida é um vômito (com pedidos de desculpas aos presentes), etc.
Neste sentido, Sartre foi um de seus melhores embaixadores. Muitas vezes eu saúdo seu túmulo, que fica no cemitério de Montparnasse, ao lado do panteão Lazarista.
Bem, não podemos negar que o desamparo existe. Por exemplo, quando se tratava da pandemia da COVID. Ou quando vemos em tantos países uma grande falta de líderes positivos à direita, à esquerda e aos liberais. Ou quando vemos mafias instaladas em grandes setores da sociedade. Ou quando descobrimos que em muitas conferências da SSVP as coisas não estão indo bem e que estes problemas se repetem uma e outra vez. Ou quando vemos que, apesar de tantos anos de trabalho, a pobreza não está sendo resolvida… ou está aumentando. Poderíamos até apontar situações pessoais angustiantes, como a dificuldade que temos em mudar, mas isso seria muito longo. Às vezes esse sentimento de impotência pode ser associado a uma sensação de absurdo. Nesses momentos, a pessoa gostaria apenas de desistir e ficar debaixo de uma árvore com um copo de vinho francês, esquecendo todos os problemas.
Mas aqui a esperança vem em nosso auxílio, ressaltando que sempre pode haver uma reviravolta na história. É interessante como a esperança muitas vezes ressurge no meio das maiores crises. E estou feliz que sim. A esperança cristã fortalece a esperança humana, porque nos diz: Deus quer o nosso bem e nos ajuda a alcançar o que é bom. Vincent de Paul e Frederico Ozanam eram pessoas de grande esperança, mesmo em meio a situações muito críticas.
São Vicente nos ensina a viver na esperança, isto é, confiar na bondade de Deus. Ele aponta: “Confiança e esperança são quase a mesma coisa”. A esperança cristã produz confiança e faz de Deus o fundamento. É preciso apoiar-se nEle: “É preciso apoiar-se somente em Deus e esperar dEle a graça da perseverança”. Podemos dizer que o amor confiante é a origem da teologia da esperança de Vicente de Paulo. A esperança dá força ao homem e à mulher para continuar nas obras de Deus, apesar dos momentos de esterilidade e dificuldade, de perda e ruína, de intrigas e perseguições. A regra de ouro da moralidade vicentina é confiar sempre em Deus. Isto permite que o cristão seja um bom instrumento nas mãos de Deus.
Termino também com uma citação de Julio Cortázar, que disse que a esperança é a própria vida se defendendo. Partilho com vocês algumas perguntas:
1. Que coisas me desencorajam?
2. Sou uma pessoa esperançosa?
3. Como crescer em esperança?
4. Como restituir a esperança aos mais excluídos?
5. Como servir com esperança?
Andrés R. M. Motto, CM.