OZANAM – UM MODELO DE JUVENTUDE
Hoje é celebrada a memória litúrgica do bem-aventurado Antonio Frederico Ozanam. E para marcar a data convidamos o confrade Sideny de Oliveira Filho para escrever sobre o nosso jovem fundador e fazer um paralelo com nossa juventude atual. Aproveite a leitura e a reflexão.
“A juventude conduz o progresso, e a velhice mantem a tradição. O progresso isolado apresenta o risco dos equívocos, assim como a tradição isolada corre o risco de esclerosar-se. A verdade e a vida ativa andam associadas.”
(Robert Garric1)
É muito interessante traçar um paralelo entre o jovem Ozanam e nossos jovens atuais.
Talvez a dificuldade maior, seja entender a força das ideias que ele trazia consigo e verificar como essas ideias repercutem em nossos jovens atuais.
Sem querer brincar com as palavras, mas ideias e ideais, podem confundir a análise. No caso de Ozanam, só podem enriquecer a análise.
Um traço marcante de Ozanam foi a ousadia: não ter medo do enfrentamento, pois tinha firmeza em suas argumentações, até porque suas convicções eram suficientemente fortes para enfrentar os ataques que viria a sofrer.
Naquela época, como agora, se olhava o jovem com desconfiança. Imagina um jovem de 19 para 20 anos, indo para o embate de ideias na universidade ou nos púlpitos das Igrejas? Imagina um jovem como ele, atraindo outros jovens através do convencimento de que era possível ser de Deus de uma forma completa: de coração e inteligência.
Nos primeiros contatos com Bailly1, ele encontrou o refúgio de proteção que faltava para um jovem como ele. Um “homem mais velho” (40 anos), com o dobro de sua idade, que também desafiava o sistema ateu/agnóstico e procurava em suas publicações literárias estimular a juventude para cerrar fileiras no exército do bem.
Posso afirmar que Ozanam foi um jovem que precisa ser imitado, com urgência, pelos nossos jovens vicentinos.
Ser imitado em sua ousadia, em sua fé, em sua busca pela Verdade, em sua luta efetiva pelas coisas de Deus.
Uniu sua inteligência acadêmica, a sua frenética busca pela Verdade. Testemunhou que o caminho proposto pela Igreja Católica é o melhor para alcançarmos a salvação.
O que falta, então, para propor este modelo para os jovens atuais?
Vejamos um pouco de história do movimento de juventude vicentina no Brasil:
Na década de 60, a Sociedade de São Vicente de Paulo (SSVP) estava avançando, de forma preocupante, com o envelhecimento de seus membros, sem a devida entrada de novos membros jovens. Estava envelhecendo!
Em nosso país, tudo começou de forma mais acentuada, porém tímida, após a realização da Assembleia Panamericana, realizada no Brasil, na cidade de São Paulo, em 1966.
Nos anos que se sucederam, os primeiros passos foram dados com a criação de Comitês de Jovens que, depois de um tempo, passaram a ser chamadas de Comissão de Jovens. O primeiro Encontro Nacional aconteceu só em 1974, na cidade de São José dos Campos/SP, porque já apareciam alguns núcleos com jovens em várias partes do Brasil e o então Conselho Superior de Brasil (hoje Conselho Nacional), sem saber como trabalhar com estes jovens e, estimulado pelo Conselho Geral de Paris, houve por bem dar uma forma mais organizada para este movimento de juventude que surgia.
De lá para cá, os jovens pioneiros, com muita dificuldade e desconfiança por parte dos mais velhos (que falta fazia uns “bailly’s”), tentando entender os ideais de Ozanam, traçaram várias estratégias para que mais jovens pudessem ingressar na Sociedade de São Vicente de Paulo (SSVP).
Foi um longo caminho percorrido. Ousadia foi sempre a marca desses jovens pioneiros. Buscaram incessantemente aprender as ideias dos primeiros tempos, que foram capazes de encantar os jovens daquela época que, junto com Bailly, deixaram este belíssimo (e rico) legado até o nosso tempo.
Demorou muito para vermos um jovem, emanado deste movimento de juventude, à frente do Conselho Nacional do Brasil, como seu presidente.
O primeiro foi o Cfd. Wiler2, depois veio o Cfd. Kaíke3, a Csc. Ada4 e o Cfd. Cristian5. Foi como se a SSVP voltasse para a mão dos jovens sem perder o frescor da diversidade e, principalmente, da unidade.
Lembro aqui de um ditado que sempre norteou o trabalho de perpetuação do trabalho da juventude: “a juventude passa com o tempo”. É preciso que cuidemos sempre para que outros jovens abracem nossa vocação e que perseverem na caminhada até o fim de sua jornada neste mundo.
Tem uma contradição na juventude que, há alguns anos, me assusta. Apesar do Papa João Paulo II ter beatificado Ozanam em 1997, apresentando como imagem a figura de “Ozanam jovem” (com 20 anos), são os próprios jovens vicentinos que não se apropriam desta oportunidade. Ao invés de divulgarem, à exaustão, a imagem de “Ozanam jovem”, insistem em usar a sua imagem com 40 anos! Dá para entender? Assim acontece nas camisetas, nas imagens de sites, artigos de revistas, banners, cenários, etc.
Temos a oportunidade de apresentar uma sociedade de jovens para os jovens, porém apresentamos nosso principal fundador com 40 anos!
E a ousadia de Ozanam? Até que ponto as lideranças jovens vicentinas têm se apropriado desta qualidade?
Aliás, eu pergunto há décadas, qual a faixa de idade que consideramos uma pessoa jovem no Brasil e fico sem resposta. É como se os próprios jovens tivessem medo de definir e perder alguns “de idade avançada” que continuam a ocupar o lugar, que é dos jovens, nas Comissões. Falta ousadia, coragem. Falta Ozanam.
Em todos os livros de história, quando se fala de Ozanam e seus companheiros, se diz “um grupo de jovens leigos católicos”, pois tinham entre 19 e 23 anos. Quando se referem a Bailly, diz-se de “um outro mais velho”6, pois tinha 40 anos. Todos os historiadores reconhecem que uma pessoa de 40 anos não é jovem. Bailly, portanto, não era jovem como os demais. É um desafio que Ozanam continua a propor para os jovens de hoje: não tenham medo, tenham coragem!
Ozanam morre aos 40 anos, que ironia!
Mas sua morte terrena, acende uma vida inteira na figura de tantos outros jovens que abraçaram sua vocação de serviço aos Pobres.
Por exemplo, para quem conhece a vida vicentina do jovem Beato Pier Giorgio Frassati7, sabe o quanto ele foi ousado na defesa da fé, através deste serviço. Além de toda sua vida de amor e dedicação a Deus, registre-se o “bom combate” em defesa de seus assistidos da Conferência, a ponto de romper com decisões erradas contrárias a nossa vocação vicentina. Ele, a modo de Ozanam, teve coragem!
A SSVP pode produzir outros tantos jovens para que sejam santos, beatos, bem-aventurados, servos de Deus. Para isso, deve investir na juventude dando a eles e a elas, o modelo de “Ozanam jovem”. Um jovem de ideias e ideais.
Como gostaria de ver nossos jovens discutindo ideias, propondo soluções para os problemas sociais, propondo mudanças sistêmicas, rompendo as barreiras do imobilismo, indo ao encontro de nossas raízes que na origem encantaram a tantos outros jovens.
Os ideais de Ozanam não morreram. Permanecem vivos entre nós.
O que precisamos é dar espaço e conhecimento para nossa juventude vicentina.
Fiquei feliz há uns anos atrás, quando me deparei com a iniciativa intitulada “pensando fora da caixinha”8, criada e mantida por um jovem vicentino. Lá em sistema de webinar9 ele traz temas para discussão e reflexão; conta histórias de jovens que estão em processo de santidade pela Igreja; sempre focando seu público alvo: os jovens.
Um jovem, falando com jovens, sobre ideias e ideais! Fantástico, oportuno! Certamente Ozanam jovem, se estivesse aqui conosco fisicamente, estaria utilizando as ferramentas de nosso tempo para falar com os jovens. Se utilizando só da oratória e cartas ele fez tudo o que fez, imagina dispondo da tecnologia atual o que não faria?
Ozanam não morreu! Ele vive nos jovens que têm esta vitalidade de perseguir sua santidade, sem esquecer-se de evangelizar outros jovens, atraindo-os para o serviço aos Pobres.
Por fim, e para que fique claro que os jovens devem assumir seu lugar de protagonistas na SSVP, sem se esquecerem de que os mais velhos, um dia também foram jovens vicentinos, que lutaram por este espaço e que agora alcançaram a “evolução natural da idade: a maturidade”.
Para isso, reproduzo a fala de Pierre Chouard10, proferida perante 700 jovens que participaram do I Encontro Internacional da Juventude Vicentina, realizada em Paris, de 7 a 10 de julho de 1960: “…a terceira resolução é permanecermos em unidade. Somos uma única Sociedade de São Vicente de Paulo. Se fôssemos somente jovens, não duraríamos; se fôssemos somente anciãos, pereceríamos. Não somos a Sociedade de São Vicente de Paulo senão quando estamos unidos, jovens e menos jovens…”
Ozanam não morreu!
Sigamos, com nossa fragilidade rumo à glória futura. A vida está repleta de horas inesperadas. O amanhã nem sempre é como imaginamos. Pode mudar para melhor ou para pior. O escritor Fernando Sabino11 fala de três certezas: “que estamos sempre começando; que nos resta muito a fazer; e que podemos ser interrompidos antes de terminar”.
Nosso tempo é hoje: tempo de começar!
São Francisco, no leito de morte, pediu aos frades: “comecemos hoje porque, até agora, pouco fizemos”.
Viva Ozanam, o jovem de todos os tempos, que vive em cada um de nós!
Confrade Sideny de Oliveira Filho
1 Emmanuel Bailly – 1º presidente do Conselho Geral de Paris de 1833 a 1844.
2 Wiler José de Lima – presidente do Conselho Nacional do Brasil no período de 1997 a 2001
3 Carlos Henrique David – presidente do Conselho Nacional do Brasil no período de 2001 a 2005
4 Maria Geralda Ferreira – presidente do Conselho Nacional do Brasil no período de 2009 a 2013
5 Cristian Reis da Luz – presidente do Conselho Nacional do Brasil no período de 2017 a 2021
6 Regra da Confederação Internacional da SSVP – Parte I – pág. 16 – 1) Origens da Sociedade e do serviço aos Pobres
7 Pier Giorgio Frassati – (1901-1925) jovem italiano beatificado pelo Papa João Paulo II em 20 de maio de 1990 – foi membro da SSVP como Confrade para continuar a servir aos mais pobres
8 https:www.facebook.com/pensandoforadacaixinhassvp
9 Webinar é um seminário online em vídeo, gravado ou ao vivo, que geralmente permite a interação da audiência via chat.
10 Pierre Chouard – presidente do Conselho Geral da SSVP de 1955 a 1969
11 Fernando Sabino – escritor, jornalista e editor brasileiro (1923 – 2004)