REFLEXÃO: caridade interna em tempos de pandemia
A pandemia da Covid-19 e a consequente crise econômica que atingiu todo o mundo tem exigido da humanidade uma ação solidária cada vez mais efetiva, de modo especial em relação àqueles que perderam entes queridos ou que estejam em dificuldades pelo impacto econômico provocado.
A SSVP, como não poderia ser diferente, também foi impactada enormemente. Reuniões e encontros estão suspensos, Obras Sociais isoladas ou com serviços suspensos e as visitas às famílias assistidas extremamente limitadas. O impacto da redução das doações tem sido sentido em todas as Unidades Vicentinas, o que tem motivado diversas iniciativas institucionais de socorro. O Conselho Geral Internacional criou um fundo para atender projetos de combate à Covid-19. Já o Conselho Nacional do Brasil colocou de pé uma campanha de arrecadação de doações destinada aos Lares de Idosos da entidade.
Mas como esta ação solidária emergencial está sendo vista e sentida na base da nossa Sociedade? Estamos preocupados com as dificuldades das Unidades Vicentinas mais próximas de nós? Nossos recursos têm sido colocados à disposição de outros que passam por dificuldades? As Unidades Vicentinas que possuem bom volume de recursos estão apoiando outras com poucos recursos e que enfrentam dificuldades no momento? Ou estamos preocupados somente com a nossa Unidade, seja ela uma Conferência, um Conselho ou uma Obra Unida?
Nos últimos tempos está em moda a utilização da palavra empatia, cujo significado mais direto é colocar-se no lugar do outro, sentir aquilo que o outro está sentindo. Creio que ter empatia é uma das chaves para o sucesso da nossa missão vicentina. Colocar-se no lugar do irmão que sofre nos ajuda a dimensionar o quanto é importante uma ação efetiva da Conferência em favor dos carentes. Raciocínio idêntico vale para as situações que envolvem Unidades Vicentinas distintas.
Um pensamento aceito por todos diz que a caridade começa em casa. Neste sentido, a ação caritativa da SSVP não pode se restringir ao apoio e suporte àqueles que sofrem, mas também deve mirar o apoio entre os diversos níveis da nossa entidade para que a ação da Sociedade como um todo seja efetiva. Isso porque a nossa estrutura de serviço é segmentada, com diversos níveis hierárquicos que têm independência administrativa. E em muitos lugares existe maior facilidade de acesso aos recursos e de mobilização da comunidade para apoio às iniciativas dos vicentinos.
No primeiro regulamento da SSVP, publicado em 1835, encontramos em seu artigo 29 uma referência a um caixa comum utilizado à época para custear obras comuns e amparar Conferências mais pobres. Os comentários a esse artigo, inseridos no Manual, nos dão uma ideia da importância desse apoio mútuo entre as Unidades Vicentinas: “…Os fins a que se destina essa caixa mostram quanto ela é útil e preciosa. Com efeito, a miséria não anda igualmente repartida pelos quarteirões de uma cidade, é bom que os recursos mais abundantes, das Conferências mais bem situadas, venham em auxílio à penúria das outras. É esta uma providência ditada pela verdadeira caridade, que deve animar os membros da nossa Sociedade, e o melhor meio de provarem que possuem um só coração e uma só alma”.
A ajuda fraterna entre Unidades Vicentinas (também conhecida como jumelage ou hermanamiento) deve ser praticada em todos os níveis da Sociedade, especialmente em situações como a que estamos vivendo no momento. Neste sentido, Conselhos e Conferências que estão em boas condições financeiras, que detém recursos além do necessário para manutenção de suas obras de caridade, podem e devem ajudar outras Unidades Vicentinas que passam por dificuldades. Obras unidas de uma mesma região podem e devem colaborar entre si.
Pode soar vazio o nosso discurso da caridade se a prática não começar entre nós, entre as Unidades Vicentinas, de modo que os carentes sejam atendidos em todos os lugares onde a SSVP se faz presente. Somos membros de uma mesma Sociedade de São Vicente de Paulo, todos voluntários, buscando a nossa santificação, orientados por um mesmo ideal: reunir o mundo inteiro numa rede de caridade. Praticando a caridade, tanto interna como externamente, e democratizando os recursos disponíveis, vamos tornar essa rede de caridade ainda mais efetiva e aqueles a quem servimos serão mais bem acolhidos e atendidos.
Confrade Júlio César Marques de Lima
Vice-presidente do Conselho Geral Internacional (CGI) para a América do Sul