Um conto sobre as ansiedades da juventude
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Era mais uma tarde comum nos atendimentos da Rede de Afeto da SSVP para a psicóloga Poliana Silva. A chamada por vídeo no computador começa e do outro lado está uma jovem do interior de Goiás, que aos 15 anos enfrenta um dilema. Em sua 3ª consulta,depois de tanto tentar entender o vazio que sente, a jovem dispara:
– Não gosto do que vejo no espelho. Não sinto que me encaixo com meus amigos. Não sei meu espaço de pertencimento!
Pronto, enfim, as palavras saíram. O problema que parece tão único para aquela jovem, infelizmente, é um dos mais comuns enfrentados por Poliana e as outras terapeutas que lidam com a juventude: a baixa autoestima e a ansiedade que isso provoca.
Para levar a jovem a uma reflexão mais profunda, a psicóloga instiga:
– Compreendo, mas me diga o que você vê nesse espelho quando se olha, e os pensamentos que vem a sua cabeça nesse momento.
Pensativa, a jovem hesita um momento e devolve:
– Quando me olho no espelho até acho que estou ok, mas quando vejo meus amigos ou as pessoas que sigo nas redes sociais, como no Instagram, vejo o quanto eles têm uma vida feliz, cheia de conquistas, corpos e peles perfeitas. Isso me desestrutura. E penso que não sou o suficiente. Não sou capaz de ser o que eles são. E não sei se realmente sou aceita por eu ser assim. Fico me perguntando, como é possível terem vidas tão perfeitas e eu com a pele cheia de espinhas, cabelos feios, mãe e pai me amolando, uma escola que não gosto e ainda não saber o que quero fazer pelo resto da vida! Me sinto sem propósito! E isso faz meu coração disparar e eu querer ficar em casa, escondida!
– Mas o que garante a você que o que você vê no Instagram ou em outras redes sociais é de fato a verdade sobre as pessoas? Será que o que as pessoas mostram é sinônimo de felicidade? E pra você o que seria ser feliz? Como você define felicidade? – questiona Poliana.
A jovem ouve tudo atenta. Nunca havia parado para refletir realmente sobre o que era a felicidade. Seu padrão de comparação com os outros só lhe permitia “entender” o quão infeliz era por não ser “igual” aos demais.
Um longo silêncio se estendeu. Do outro lado, Poliana conseguiu perceber que a jovem chorava baixinho. Até que o silêncio se quebra: “Não sei. Me parecem que sejam felizes. Não são? Estão sempre rindo, com uma vida mais interessante. Acho que é isso que me faria feliz. Um cabelo bonito, uma decisão de vida. Não sei! Realmente não sei. Talvez na hora que eu chegar na felicidade eu a entenda e a reconheça. Não é assim que funciona? Eu sou tão diferente assim? Todo mundo sabe o que precisa para ser feliz? Quero ser adulta logo, ter meu carro, minha vida, minha carreira, minha família. Talvez aí eu seja feliz!”
Entendendo o discurso da jovem e já familiarizada com ele, Poliana, calmamente tratou de acalmar seu coração: “Nem tudo que vemos é de fato o que é na realidade idealizamos muito algo perfeito, mas nem sempre a realidade é essa e entramos nesse conflito entre o real e o ideal. Mas será que atender os padrões sociais realmente a deixaria feliz? E o que você tem feito para ter um cabelo mais bonito, uma pele mais bonita? O que você tem feito para gostar do que vê no espelho? Ser feliz é algo muito subjetivo, o que me deixaria feliz pode ser que não deixaria você e tá tudo bem, afinal somos diferentes, com sonhos, metas e objetos diferentes também. Olhe pra você e, se algo não está bem, se pergunte: o que eu tenho feito pra mudar essa situação, o que eu posso fazer é o que eu estou disposta a fazer? A mudança que você deseja pode estar na decisão que você toma tanto de fazer como também de não fazer.”
As palavras de Poliana naquele momento ecoaram forte na cabeça da jovem. Ela havia se consumido tanto pensando no que não tinha, na sua incapacidade de ser e ter, que havia se esquecido de ver o resto.
– Mas, Poliana, como mudar tudo isso? Deve ser difícil? Por onde começar? Me ajuda? Existe um manual, uma dica?
Poliana, então, propôs algo que pode até parecer fácil, mas que, com certeza, vai exigir muita força de vontade e até disciplina da jovem: “Que tal começar a fazer algo prático para ajudar você nesse processo de autoconhecimento e a desenvolver mais autoestima e controle emocional? Você poderia começar a praticar uma atividade física, pode ser em academia ou até mesmo uma caminhada ao ar livre, veja o que funciona pra você. Outra coisa, é controlar o uso do celular e o acesso a redes sociais inclusive a conteúdos que possam te gerar esse excesso de comparação. Vamos tentar?!”
Com o coração mais leve, a jovem se despediu da psicóloga, com a esperança de que no próximo atendimento ela já conseguiria ter cumprido um pouco das novas metas, ao seu tempo!
Esse diálogo é fictício por parte da jovem! Mas é muito parecido com o que a nossa juventude enfrenta nos dias de hoje. A grande maioria dos atendimentos da nossa Rede de Afeto com os jovens trazem questões como essas. A juventude já é uma fase complicada de transição e, atualmente, as pressões e cobranças sociais ditadas, especialmente pelas redes sociais, levam nossos jovens para caminhos nada fáceis de percorrer. Cuidar da saúde mental é essencial, ainda mais nesta fase de tantas escolhas e definições. O processo pode ser demorado, nem sempre é simples, mas é primordial começar. As respostas foram dadas pela nossa psicóloga Poliana Silva.
E como você pode ajudar? Fique atento aos jovens que te rodeiam, seja na sua família, na sua Conferência, nas famílias assistidas. Se você é jovem, busque se perceber, se olhar com olhos de amor e observar também seus amigos. Sempre é tempo de se ajudar e de ajudar ao próximo!
Qualquer coisa, os psicólogos da nossa Rede de Afeto estão à disposição. Basta entrar em contato pelo (32) 9 8514-4131 ou e-mail [email protected], que um voluntário retorna o contato, encaminhando o paciente a um dos psicólogos participantes.
Rede de Afeto
O projeto Rede de afeto: gente cuidando da gente reúne uma equipe de psicólogos voluntários que oferecem atendimento psicológico gratuito aos interessados, por meio de tecnologias digitais, tendo em vista que todas as sessões são on-line. São dez sessões e ao fim deste ciclo o profissional vê a necessidade do paciente, se encaminha para outro profissional para continuidade do atendimento, ou se assim o profissional desejar e puder, ele mesmo faz o tratamento de maneira gratuita.