Quaresma: Dia de retiro espiritual para os que estão comprometidos com o serviço da Caridade da Igreja
A Quaresma começa hoje, dia 2 de março, e terminará na Quinta-feira Santa, em 12 de abril. É momento de oração e penitência para lembrar os quarenta dias passados por nosso Salvador, Jesus Cristo, no deserto e os sofrimentos por ele suportados na cruz. Reflexão esta a qual os vicentinos são chamados. Hora de mais do que nunca pensarmos na Sociedade que queremos e almejamos, passando pelas bases até chegarmos no Conselho Nacional do Brasil e, por que não, na SSVP Internacional. Reproduzimos aqui, um Dia de Retiro espiritual, feito pelo Padre Alexandre Nahass Franco, para você acompanhar, se inspirar e seguir.
- Introdução
Neste tempo de oração e de encontro com o Senhor gostaríamos de procurar deixar repousar um pouco o nosso coração, à luz da misericórdia de Deus, ou seja, do seu amor e da sua graça, que sempre nos confia o Serviço da Caridade.
Por muito que se esforce, o ser humano sabe que quem faz crescer é o Senhor (cf. 1 Cor 3, 6ss): Esta atitude de abandono confiante torna-se um anúncio e um testemunho de como o dom da misericórdia precede e ampara o nosso serviço.
Nós somos os servos de Deus, que estamos em ação para dar dignidade a quem a perdeu, para socorrer quem se encontra em necessidade, para nos tornarmos capazes de amar, curando os corações despedaçados, sofridos e abandonados. A memória da misericórdia do Senhor, que nesta ocasião queremos renovar, faz repousar o nosso coração. Com efeito, recorda-nos que Deus continua a olhar para nós e a nos amar mesmo diante de nossos pecados. Lembra-nos que, mesmo se o nosso campo foi devastado, ele ainda pode fazer crescer o grão bom! Deus deseja isto intensamente para todos! É a sua misericórdia!
Com frequência em nossos relacionamentos, somos ásperos, severos e juízes. Até mesmo sem esperança em nossas avaliações. Às vezes, levamos conosco rancores explícitos e profundos: Estranha contradição em relação à palavra de paz e de perdão que pronunciamos sempre.
A Quaresma é uma ocasião para uma recomposição silenciosa e profunda da unidade interior, para nos libertarmos das hostilidades mais ou menos escondidas dentro de cada um de nós, para nos sentirmos pacificados, porque profundamente somos amados por um Amor que é maior do que qualquer desilusão, inveja, frustração ou injustiça de que pensamos ser vítimas. Se nos deixarmos amar e nos perdoar mutuamente, seremos capazes de perdão. Seremos generosos e serenos.
O repouso do coração se concretiza procurando, sem dúvida, em sermos mais capazes de deixar Deus agir, de discernir, de descobrir, de contemplar o que Ele faz antes de nós e por vezes com cada um de nós.
Gostaríamos de continuar o nosso serviço de caridade com dedicação, mas procurando ver em cada um de nós um pequeníssimo sinal de um amor e de uma atividade muito maior, que age em Cristo e age em milhões de pessoas, em centenas de povos, como a presença de um amor ainda maior: a Caridade.
Pedimos a graça de que este tempo de retiro e de oração contribua para nos libertar o coração e a mente de questões mesquinhas, resquícios de rancores, vinganças, divisões e nos dê mais capacidade de ver a obra do Espírito nas grandes e nas pequenas coisas, no nosso próximo e, sobretudo nos pequeninos e na santidade simples, popular e silenciosa de que estamos circundados todas as vezes que servimos os pobres.
Trecho carta do Bem-aventurado Antônio Frederico Ozanam, a Luis Janmot, 03 de novembro de 1836.
“Se não sabemos amar a Deus como os santos o amavam, isso deve ser para nós um motivo de reprovação, ainda que nossa debilidade pudesse nos dar um motivo para nos dispensarmos, visto que, para amar, parece que faz falta ver, e nós vemos a Deus só com os olhos da fé. E nossa fé é tão debilitada! Mas os pobres, os pobres que vemos com um olhar humano, nós os temos diante de nós, podemos tocar suas chagas com nossas mãos e ver as feridas da coroa de espinhos em sua cabeça. Sendo assim, não podemos deixar de crer, mas devemos prostrar-nos a seus pés e dizer-lhe com o apóstolo: ‘Meu Senhor e meu Deus!” Vós sois nossos senhores e nós, vossos servos; vós sois a imagem sagrada deste Deus a quem não vemos, e, não podendo amá-lo de outro modo, o amaremos em vossa pessoa”.
2- Pontos possíveis de reflexão:
Face ao risco de reduzir a misericórdia a um sentimento belo e nobre, mas, contudo, imaterial e interior, somos convidados a nos converter à misericórdia autêntica, para gerar ou regenerar continuamente a vida. O ato divino de criar por amor prolonga-se nas obras de misericórdia enumeradas por Jesus no Evangelho. Além do sentimento de acolhimento ou de compaixão interior, trata-se sobretudo de nos deixarmos formar o coração, realizando aquelas ações que vemos nos Evangelhos como efeitos da compaixão de Jesus.
Assim podemos aproveitar a Quaresma para nos reconciliarmos com Cristo, dando-lhe mais uma vez espaço na nossa existência, pedindo a graça da sua misericórdia, deixando que ela aja como fonte de uma novidade.
Graças à sua Ressurreição, Jesus não é um acontecimento do passado, mas um nosso contemporâneo, presente aqui e agora na sua humanidade concreta, a qual, ele mesmo nos ensinou. Podemos reconhecer Jesus nos “seus irmãos mais pequeninos” (Mt 25, 40.45). Esta expressão designa antes de tudo a missão da Igreja para os pobres e para todos que se encontram em situações de necessidade, sobretudo os que estão mais próximos de nós. Hoje, de quem somos chamados a ser o próximo?
É importante que as nossas obras de misericórdia corporais e espirituais expressem claramente a dimensão de esperança que lhe dão a consistência da fé pela qual são amparadas. Elas têm no amor trinitário a sua própria estrutura originária, na doação total de Cristo a humanidade. Sem esta iluminação, as obras de misericórdia apoiariam apenas num caminhar incerto, não se abririam ao acolhimento do dom de todos serem feitos novas criaturas e apenas uma consolação de momento.
3- Questões para oração pessoal e partilha:
3.1- Como buscar sempre renovar na SSVP o ministério da caridade de Cristo e da sua Ressurreição que nos regenera para uma vida nova, capaz sempre de acolher o outro e de doar-se em misericórdia?
3.2- Quais são os obstáculos maiores que experimentamos para o serviço da caridade que contemplamos em Jesus Cristo? Que temores reprimem o nosso dom?
3.3- Quais, entre as obras de misericórdia espiritual e corporal, são mais resistentes ou menos disponíveis diante das urgências que encontramos?
3.4- Qual a reconciliação necessária para a nossa nova vida em Cristo? Quando não deixamos que ela aconteça ou impedimos que esta reconciliação se concretize?
3.5- Esforço-me para VER a realidade dos Pobres e, mais ainda, o rosto concreto de cada um deles, tal como se apresentam, ou limito-me a um olhar superficial, tendencioso e generalizante, incapaz de chegar às raízes dos dramas individuais e coletivos?
3.6- Quando sou capaz de COMOVER-ME, deixo o sofrimento alheio “remexer as entranhas do meu coração”, sinto, de fato, a dor do outro que está caído à beira do caminho, ou simplesmente sou tomado por um sentimentalismo vazio?
3.7- O olhar atento, que vai às raízes mais profundas, e o coração, que se debruça sobre a miséria do outro, me impelem a uma AÇÃO, entendida também como cuidado, para “fazer justiça ao enfraquecido”, tornando-o protagonista de sua própria história, numa perspectiva da mudança de estruturas?