Políticas Públicas: Você conhece o Serviço de Família Acolhedora?
Hoje vamos trazer para você uma matéria diferente. Trata-se de um artigo escrito pela consócia Nathália Meneghine, psicanalista, professora e especialista em Educação, que foi publicado na edição nº 2 deste ano do Boletim Brasileiro. A consócia é colunista fixa da nossa revista e trata do tema Políticas Públicas, trazendo temas extremamente sensíveis e importantes para os vicentinos, as Obras Unidas e a SSVP. Neste artigo, ela apresenta o Serviço Família Acolhedora.
“Família Acolhedora”
Existe um provérbio africano que diz: “É preciso uma aldeia inteira para se educar uma criança.” Com outro texto, a Lei
também corrobora com essa filosofia quando estabelece na Constituição Federal (1988), em seu artigo 227, que é dever de toda a sociedade garantir a proteção das crianças e adolescentes brasileiros.
Para encarnar essa responsabilidade compartilhada pela vida e educação das crianças brasileiras, políticas públicas são formuladas nas mais diversas áreas. Aqui, cumpre-me destacar no âmbito do SUAS (Sistema Único de Assistência Social), os Programas e Serviços, que abrangem desde a Proteção Básica, como Convivência e Fortalecimentos de
Vínculos, até a Proteção Especial de Alta Complexidade, tais como os Serviços de Acolhimento Institucional.
O acolhimento institucional de crianças e adolescentes, seja nas modalidades de Casa-Lar e Abrigo Institucional, seja
na modalidade de Acolhimento Familiar, é sempre uma medida excepcional e temporária, aplicada pelo Poder Judiciário apenas nas situações de grave risco à integridade física e/ou psíquica.
Neste ponto, é importante destacar que o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece em seu artigo 23, que
a insuficiência de recursos materiais de uma família, não é por si só causa de afastamento familiar da criança e do
adolescente. Nestas situações, cabe ao Estado Brasileiro prover amparo social a esta família.
Esclarecido este ponto, quero abordar aqui a modalidade denominada SERVIÇO DE FAMÍLIA ACOLHEDORA para apontá-lo como uma possibilidade de gesto de solidariedade ao qual as famílias vicentinas podem se candidatar.
A Família Acolhedora cuida da criança em risco (ou crianças) até que ela retorne para sua família ou para uma nova família, no caso de adoção. Ou seja, a Família Acolhedora não pode estar no Cadastro Nacional de Adotantes. Trata-se de um cuidado temporário que, inclusive, direcionado pela equipe técnica (psicólogo e assistente social) de acompanhamento do caso, deve ajudar em seu processo de reinserção com sua família de origem ou com a nova família.
Podemos dizer que ser uma Família Acolhedora é se oferecer para cuidar de uma criança vulnerável, com autorização judicial e acompanhamento técnico, até que ela possa retornar a uma família definitiva, preferencialmente, a sua
família de origem ou extensa. Como eu disse acima, é um gesto de solidariedade que comunga do princípio de responsabilização comunitária pela vida de uma criança. Os cuidados que uma família pode oferecer para uma criança neste tempo difícil de afastamento familiar, tendem a ser mais personalizados e afetivos, do que o cuidado em um Abrigo. Isto pode ajudar a minimizar os danos psíquicos que essa situação de Acolhimento poderia impactar, sobretudo, nas crianças em seus primeiros anos de vida.
Isto não significa que o acolhimento familiar é melhor que os demais. A meu juízo, são modalidades diferentes, com recursos e indicações diferentes, que precisam coexistir para atender às múltiplas necessidades de Acolhimento. Por exemplo, o Serviço de Família Acolhedora não é indicado quando a equipe técnica identifica que a complexidade do caso exigirá um tempo mais extenso de Acolhimento ou quando a família cadastrada no Serviço não tem a disponibilidade de receber um grupo de irmãos, e, neste caso, teriam que ser separados. Nestas situações,
o Acolhimento em Abrigo Institucional ou Casa-Lar se fazem, de maneira geral, mais adequados.
Para iniciar o processo de cadastramento como Família Acolhedora, deve-se procurar o serviço na sua cidade,
que é de responsabilidade da Secretaria de Assistência Social, ainda que executado de forma terceirizada por Organizações Sociais (cada município tem uma configuração). Infelizmente, nem todas as cidades brasileiras possuem
essa modalidade de acolhimento. E, nas que existem, uma grande parte tem poucas famílias cadastradas e dispostas a este ato de solidariedade.
A decisão de se oferecer como Família Acolhedora precisa ser uma decisão também familiar. Além disso, existem regras específicas no Serviço de Família Acolhedora de cada município que precisam ser atendidas como pré-requisito para fazer parte deste cadastro. De toda forma, ser uma família de um, ser solteiro ou não, casais homoafetivos, e outras
configurações familiares por si só, não são impedimentos. As entrevistas e visitas técnicas durante o processo de cadastramento irão avaliar as condições objetivas e subjetivas da família candidata para cuidar de uma criança. O detalhamento dos objetivos deste Serviço está elencado na Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais.
Na minha trajetória profissional, tive a experiência de trabalhar bem de perto do Serviço de Família Acolhedora, bem como das outras modalidades de Acolhimento. Posso dizer que oferecer essa forma de cuidado para crianças e adolescentes vulneráveis, exige afeto, desprendimento de preconceitos e muita solidariedade. Entendo que estes também são pré-requisitos no trabalho vicentino. Destacando que, o Serviço de Família Acolhedora é uma política pública e que só se pode acolher uma criança ou adolescente em sua casa com autorização judicial, minha
aposta é de que possam existir muitas famílias vicentinas (nas suas mais diversas configurações) com disponibilidade de ajudar outras famílias desse novo jeito: cuidando de seus filhos, enquanto elas não podem cuidar.
Se você é uma dessas famílias com desejo em acolher, procure o Serviço de Família Acolhedora da sua cidade! Lá você poderá tirar dúvidas, entender melhor o processo e, no decorrer dele, com o acompanhamento técnico adequado, ir depurando, confirmando ou não, seu desejo em se oferecer para este ato de amor e solidariedade.
Como nos ensina o provérbio africano com que abri este texto: “É preciso toda uma aldeia para educar uma criança”. Sejamos aldeia!”