Matéria especial – Do lixo ao luxo
Cerca de 800 mil pessoas sobrevivem do lixo e do reciclado no Brasil. Números estes que, a cada ano, aumenta consideravelmente. Como será a vida desses trabalhadores?
Tudo aquilo que possa vir a se tornar um lixo para nós, é um luxo para tantos outros. Tudo é reciclável e retornável. Milhares de pessoas, diariamente, batalham nas ruas em busca de melhores condições de vida. De acordo com dados do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, cerca de 800 mil catadores estão em atividades.
A coleta seletiva é sim uma fonte de renda para boa parte da população brasileira. Em 2012, o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) realizou um estudo sobre aqueles que dependem da coleta de resíduos em nosso país. A renda média dos catadores é de R$520,00, ou seja, não atinge sequer o salário mínimo. Além disso, a maioria dos catadores tem baixa escolaridade, que vão da 5ª a 8ª série.
Apesar da baixa média de salário, os dados do Ipea também apresentam alguns resultados interessantes sobre a categoria. No ano de 2012, último ano em que foi levantado um estudo sobre o tema, 58% dos catadores de reciclagem contribuíam para a Previdência, metade deles usufrui do esgoto em casa e somente 4,5% estão abaixo da linha da pobreza. Esses números mostram que, apesar do baixo salário, da baixa escolaridade e do árduo trabalho, o nosso lixo pode gerar renda e “luxo” para milhares de pessoas em nosso país.
No Brasil apenas 18% dos municípios possui programas de reciclagens. Este é um número extremamente baixo comparado ao volume de lixo produzido pelo país. Cerca de 150 mil toneladas são produzidas diariamente no Brasil de acordo com dados de 2005. Por causa deste grande número de lixo produzido, o pequeno número de programas de reciclagem e o ato de não reciclar tudo o que é possível, o Brasil deixa de lucrar cerca de oito bilhões de reais por ano.
Mesmo assim, o Brasil caminha, a passos razoavelmente largos, mas importantes, para ocupar uma posição de destaque no cenário global da reciclagem. Isso se deve muito ao trabalho dos catadores, como são popularmente conhecidos. Como dito anteriormente, são mais de 800 mil trabalhadores, entre homens e mulheres, 24 horas por dia, sete dias por semana andando nas ruas e recolhendo tudo aquilo que, para nós, não pas
sa de lixo.
Já são mais de 15 milhões de pessoas em todo o mundo que vivem da coleta do lixo e da sua transformação através da reciclagem. Mesmo com as condições de trabalho ainda fora do ideal, muitos trabalhadores encontraram na reciclagem uma revolução em sua vida.
A reciclagem como transformação social
Desde jovens nós aprendemos nas escolas o famoso significado dos três “R” da sustentabilidade: reduzir, reutilizar e reciclar. Se analisarmos todo o impacto da reciclagem no mundo, perceberemos que os três “Rs” não encaixam apenas nos lixos. Ela pode ser também um lema para aqueles que querem fazer uma reciclagem em sua vida.
Na américa latina, mais de 4 milhões de pessoas são catadores de resíduos e trabalham, dia após dia, em condições insalubre
s, perseguindo a sua sobrevivência. A maioria desses catadores são moradores de rua que, após uma jornada catando os lixos nas ruas, recebem o seu trocado e compram os seus vícios. Outros não pensam assim. Muitos buscam na reciclagem uma mudança radical em sua vida.
Milhares de Associações surgem no Brasil ano após ano. O intuito é sempre o mesmo: transformar a vida daqueles que não tem nada através da reciclagem de resíduos. Marginalizados por um sociedade extremamente capitalista e vivendo em situações abaixo da linha da pobreza, alguns resolvem trocar o vício e o crime pelo trabalho honesto e trocam os papelões por tetos e paredes.
Entre esses milhares, encontramos Maradona. Este não é o seu nome verdadeiro, porém ele pede para que o chame desta forma. Um apelido que carrega o nome de alguém tão famoso, mas ao mesmo tempo, este Maradona, vive bem longe dos holofotes.
Nascido e criado no Espírito Santo, desde 1985 vive em Belo Horizonte e diz que sempre foi morador de rua. Com apenas 13 anos de idade, Maradona trilhou o rumo de outros milhões de brasileiros: saiu de casa, resolveu viver longe da família e de tudo em busca de uma vida melhor. Porém, com todas as adversidades, encontrou a rua e toda a sua negatividade. Quando perguntado sobre a sua mudança de vida, Maradona responde com lágrimas nos olhos: “Há 12 anos comecei a mudar minha vida. Há 12 anos conheci a Asmare. Antes eu fazia muita coisa errada, hoje não. Hoje eu mudei”, afirma o catador.
“Sei falar inglês básico e francês básico. Estudei apenas até a sexta série, mas nunca parei de buscar o conhecimento. Agora você pode se perguntar como aprendi tudo isso. Eu aprendi aqui, reciclando livros que não eram mais importantes para outras pessoas”, conclui Maradona, olhando com felicidade uma foto de uma mulher que ele achou nas ruas.
Maradona é mais uma das figuras surpreendentes que encontramos na Asmare – Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Material Reaproveitável. Criada em 1990, em Belo Horizonte, a Asmare busca gerar trabalho, renda e novas condições devida a partir da experiência construída pelos moradores de rua.
Alfredo Souza Matos, 59 anos, mais conhecido como Índio, é outro que também foi “resgatado” pela Asmare. Por muito tempo, ele foi um morador de rua e era marginalizado pela sociedade. Com o tempo, chegou a ser vice-presidente da Asmare. Hoje, ele ajuda na coordenação da associação, tem a sua casa e dá palestras para jovens estudantes e em empresas.
A perspectiva de crescimento daqueles que trabalham dentro das associações como a Asmare vem crescendo gradativamente. Segundo o coordenador, a renda mensal de um catador que trabalha dentro da associação é de um salário mínimo ou um salário mínimo e meio, depende do trabalho de cada catador, o que vai na contramão da média da renda do país. “Tem catador que começa de manhã e fica até uma, duas horas da manhã trabalhando. Tem outros que consegue esse salário em apenas uma semana. Cada um temo seu jeito de trabalho, então cada um recebe por aquilo que trabalha. Mas a faixa está entre um salário e um salário e meio”, afirma Índio.
É a partir de histórias como estas que fica claro que os três “Rs” da sustentabilidade também pode ser o da condição de vida. Assim como Maradona, Índio e tantos outros milhares, eles souberam reduzir a sua condição antiga a zero, a reutilizar o seu conhecimento com outros trabalhos e a reciclar a sua vida. Mesmo com tantas ONG’s e associações, apenas 994 dos 5.564 brasileiros tem a coleta seletiva e permite condições de trabalhos a estas pessoas.
A profissão de catador é uma profissão vista, muitas vezes pela sociedade, como um serviço totalmente informal, mas esquecem que pode, também muitas vezes, mudar a perspectiva de vida de alguém. Este trabalho “sujo” praticado por tantas pessoas, homens ou mulheres, mal vistos e marginalizados por uma grande quantia da sociedade faz com que a vida de todos seja melhor, pois é reciclando que a natureza agradece.
Por: Vinícius Toscano
Departamento de comunicação do CMBH
Artigo publicado na Revista Vicentina Adoremos, edição 1004, ano 102.
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